Reparou como a nossa mente pode ser comparada a uma casa?
No livro O Homem e Seus Símbolos, Carl Jung narra um sonho que teve na época em que trabalhava com Freud. O sonho era sobre sua casa, e Jung logo concluiu que ele representava sua vida e seu mundo. Curiosamente, não contou nada a Freud.
No sonho, Jung descreve o primeiro andar de sua casa, com uma sala agradável e confortável. A mobília era elegante. Em seguida, encontrava um cômodo até então desconhecido e ficava admirado por nunca ter reparado naquela saleta tão aconchegante. Contudo, à medida que descia as escadas, os cômodos ficavam mais escuros e a mobília mais antiga.
“Desci então ao porão, onde encontrei uma porta que abria para um lance de degraus de pedra, levando a uma grande sala abobadada. O chão era de enormes lajes de pedra, e as paredes pareciam muito antigas. Examinei a argamassa e verifiquei que estava misturada a pedaços de tijolos. Obviamente, eram paredes de origem romana. Sentia-me cada vez mais agitado. Num canto, vi uma laje com uma argola de ferro. Puxei a argola e encontrei outro lance de degraus estreitos que conduziam a uma gruta, uma espécie de sepultura pré-histórica, onde se encontravam duas caveiras, alguns ossos e cacos de cerâmica. Neste momento, acordei.” (p. 52, O Homem e Seus Símbolos)
O andar térreo, confortável e conhecido, poderia ser comparado à nossa consciência. O porão, por outro lado, guarda memórias, emoções e experiências que muitas vezes evitamos ou sequer imaginamos que existam. Elas ficam armazenadas no nosso inconsciente pessoal.
Já os alicerces nos conectam a algo maior: o inconsciente coletivo, carregado de símbolos e arquétipos. No caso de Jung, esses elementos estavam representados pelas paredes de origem romana, argolas de ferro, ossos e cacos de cerâmica, certamente remanescentes de outras culturas muito antigas.
Pensar na mente como a nossa casa é muito interessante, de certa forma, despertaos para a necessidade de cuidar, de fazer a manutenção, organizar os cômodos e zelar pela limpeza dos ambientes.
Uma casa desorganizada e suja apodrece, adoece seus moradores e perde sua função primária: proteger contra os perigos externos e ser um refúgio, um lugar de paz e tranquilidade. Por isso, cuidar também dos ambientes externos nos faz bem internamente, traz um senso de organização, e ainda liberamos dopamina sempre que concluímos uma tarefa.
Também é igualmente importante cuidar da nossa casa interna. Explorar os “cômodos desconhecidos” numa jornada de autoconhecimento, sem dúvida que a tarefa será desafiadora, mas é essencial.
Freud, por sua vez, tem uma célebre frase: “não somos senhores em nossa própria morada”. Essa ideia ilustra como não temos consciência da maior parte dos nossos pensamentos e atitudes. Ou seja, há muito por explorar nos porões das nossas casas mentais.
Muitas vezes, precisamos de uma boa faxina mental: jogar fora o que não serve mais, consertar o que se estragou, reorganizar os móveis, abrir as janelas e arejar os pensamentos.
E, claro, nem tudo que está no inconsciente virá à superfície um dia, mas o que importa é que não estamos totalmente à mercê desse incontrolável, insaciável, passional e… inconsciente!
Hoje foi um dia desses. Durante uma sessão de análise de uma hora – que pareceu durar uma eternidade – fui levada a vários cômodos escuros da minha memória, em alguns momentos, sentia como se estivesse removendo teias de aranha. A cada insight, quando sentia que compreendia algo novo ao ressignificar certos acontecimentos, a sensação era como abrir uma pequena janela e ver uma fresta de luz.
Pude rever e entender certos padrões de comportamento que foram repetidos inúmeras vezes. Esses padrões eram frutos de um trabalho muito árduo e “bem-sucedido” de “educação”, onde ouvia coisas como: “deixa isso para lá”, “você está exagerando” ou “é melhor ficar quieta”. Com isso, acabava ouvindo e vendo coisas dos outros, mas não reagia.
Enfim, foi um dia de trabalho intenso. Senti-me exausta ao final da terapia, mas tudo isso me fez refletir sobre muitas coisas. Fez-me querer aprender mais sobre mim, sobre os meus limites e sobre como me defender das artimanhas sutis dos outros.
Tudo isso aconteceu em um momento muito oportuno. Agora, bem no final do ano, irei refletir com bastante cuidado sobre o que quero levar – ou não – comigo para 2025.